•      Quando eu era miúda ir a um concerto era algo muito especial. Primeiro, porque não havia assim tantos concertos em Portugal e segundo, porque tinha aquela sensação de estar a presenciar um acontecimento único.
         Quando eu era miúda as pessoas que iam aos concertos, mesmo que não fossem os maiores fãs daquela banda, aproveitavam a experiência. Ouviam, aplaudiam, respeitavam os artistas e as outras pessoas que estavam ali para ver o espectáculo.
         Quando eu era miúda havia chamas de isqueiros a encantar o recinto sempre que soavam os acordes de uma balada.
         Os anos passaram, eu deixei de ser uma miúda e cada concerto passou a ser apenas mais um concerto para colocar na agenda do mês. Deixou de ser algo único porque a mesma banda nos visita várias vezes, mas sobretudo porque se transformou num mero evento social. São poucos os que vão ver a banda pelo que ela é e cada vez mais os que vão porque é suposto ir; os que não respeitam os artistas ou quem quer realmente ver o concerto, agrupando-se como se estivessem numa rua do Bairro Alto a conversar animadamente com os amigos de cerveja na mão; os que vêem o concerto através do ecrã dos seus telemóveis, porque mais importante do que estar ali é mostrar aos outros onde se está e ganhar reconhecimento virtual.
         Isto entristece-me porque me coloca perante a evidência de que estamos a construir uma sociedade baseada em coisas que não existem para lá de um dispositivo electrónico. Uma sociedade que não sabe aproveitar o momento pelo que ele é, preferindo viver o momento pelo que este lhe pode fazer parecer perante uma audiência ilusória.
         Deixei de ir ao cinema por não estar para aturar barulho de pipocas e conversas de café durante o filme inteiro. Se calhar também terei de deixar de ir a concertos para não ter de assistir ao pobre espectáculo de milhares de pessoas a fazerem actualizações ao seu estado "internáutico", com fotografias e vídeos captados segundos antes, e onde já não consigo vislumbrar uma única chama a balouçar na escuridão, senão pelos breves instantes em que alguém está a acender um cigarro.



  • Quem não acredita que rir é o melhor remédio, não conhece esta história.
    Bob Carey começou a fotografar-se nos locais mais inesperados vestindo apenas um tutu cor-de-rosa por puro gozo. Até ao dia em a sua mulher descobriu que tinha cancro de mama. A sua luta com a doença por duas vezes num espaço de três anos ensinou-lhes que só com uma boa dose de humor se consegue ultrapassar tamanha provação e que muitas vezes um sorriso ajuda mais do que se julga.
    Foi então que Bob decidiu publicar as fotografias e com elas ajudar a financiar diversa organizações que lutam contra o cancro de mama.
    "The Tutu Project" já conta com várias exposições e eventos pelos Estados Unidos e um livro. O melhor: as fotografias estão à venda no site para quem quiser. Vai já para minha lista de desejos.







    ©Bob Carey

  • ...chega a Primavera. Amanhã para mim.


    And there will come a time, you'll see, with no more tears
    And love will not break your heart, but dismiss your fears
    Get over your hill and see what you find there,
    With grace in your heart and flowers in your hair

    Mumford & Sons




  •      O meu país é cheio de sol e de mar e de paisagens bonitas. É cheio de poetas e atletas e artistas de renome. É cheio de história e de feitos e de tesouros em cada recanto. Mas também é cheio de pessoas. E a maioria das pessoas é desinteressada e muitas vezes iletrada também.
         Só num país de pessoas desinteressadas é que se chega ao que se chegou. Pessoas que não votam, que não se queixam,  que não se impõem, que deixam andar, que fecham os olhos, que acham tudo normal. Ou que se queixam apenas quando as ervas daninhas chegam ao seu quintal, assobiando entretanto para o ar, esquecendo-se que na verdade é mesmo a união que faz a força e que se tivessem ajudado o vizinho a combater as ervas daninhas quando elas o atingiram, talvez estas não se tivessem propagado pelo bairro inteiro.
         Só num país de pessoas iletradas é que se engolem todas as informações e desinformações que aparecem na comunicação social sem questionar. Sem sentido crítico. E se elegem corruptos atrás de corruptos, incompetentes atrás de incompetentes, divididos em dois partidos (ou quatro tanto faz, porque quando chegam a qualquer cargo de poder são todos iguais e as mesmas pessoas que criticavam os lobbies, os empregos para os amigos, a incoerência, passam a fazer exactamente a mesma coisa).
       Só num país de pessoas assim se deita por terra o futuro de pelo menos duas gerações.  Por ganância, incompetência e amor ao poder de uns e por desinteresse, passividade e alheamento dos outros.
         No dia em que se celebra a felicidade não posso, por isso, estar feliz com o meu país. Um país onde há outra vez crianças a ir para a escola de estômago vazio e velhos sem dinheiro para os medicamentos. Onde há reformados a sustentar os filhos e os netos com as suas cada vez mais magras reformas e pessoas a desligar os aquecedores não por opção ecológica, que tanto me alegraria, mas por necessidade . Um país onde, em vez de se sair, se regressa a casa dos pais e onde os grandes empresários acham que um ordenado mínimo de 400 euros ainda é demasiado alto para se ser competitivo.
         Não posso estar feliz quando nos últimos meses amigos atrás de amigos partiram para outros destinos e continentes, não pela aventura mas por não terem outra opção. Ou quando faço contas aos meus rendimentos depois de mais uma leva de cortes e constato que, se não fossem os meus pais e sogros, não podia ter mais filhos.  Ou quando vejo o negócio onde a minha família trabalhou durante mais de cinquenta anos aumentar a estatísticas das insolvências e engrossar as fileiras do desemprego.
         Sempre tive um espírito revolucionário, embora seja totalmente apartidária. Sou mais pelas causas do que pelas hierarquias. Sempre ergui a voz contra as injustiças e sempre questionei as ordens quando as achava injustas, não para ser do contra, mas para tentar compreender o seu porquê. (Talvez por isso, ao fim de dez anos de carreira, continue com quase tanto como quando comecei, o que também diz muito sobre a mentalidade das chefias deste país.) Quando vejo as notícias ou ouço as histórias da minha gente apetece-me ir para a rua gritar. Chega mesmo a apetecer-me incitar à violência, percebendo  que muitos movimentos terroristas surgem exactamente do desespero de gritar e gritar e ninguém nos ouvir. Mas claro que isso é apenas um devaneio e nunca uma ideia de solução. Até porque este meu país (e a Europa em geral!) precisa mais do que revolucionários. Precisa de um rumo. E esse não o consigo vislumbrar. 

    ©VHILS

  • Para os pais presentes e os ausentes, os heróis e os vilões, os carinhosos e os sérios, os que brincam e os que ralham, os que dão o exemplo e os que se esquecem que são a maior referência de uma criança. Para todos deixo o trabalho de fotógrafo Dave Engledow denominada "O melhor pai do Mundo"
    (Que também tem a filha mais adorável do Mundo, Alice Bee.)
    Adoro!






    ©Dave Engledow


    Vejam a colecção toda aqui

  • No primeiro ano de vida de uma criança há mil e uma emoções que uma mãe (e um pai) experimentam pela primeira vez, seja nas grandes conquistas, seja nas grandes dores de cabeça. E são tantas e tão variadas que ao fim de um ano sentimos que estamos preparadas para tudo. Sobrevivemos à dor pré e pós parto e ao prazer de abraçar o nosso filho pela primeira vez; sobrevivemos às angústias da amamentação e à ternura dos primeiros sorrisos; às noites sem dormir e às tardes cheias de gargalhadas; às primeiras febres e às primeiras vezes que se pôs de pé. Ao fim de um ano sentimo-nos umas profissionais e olhamos para uma recém-mãe com alguma condescendência, como quem diz “eu já fui assim, inexperiente, apavorada, a achar que nada mais existia no mundo para além do meu bebé, mas agora estou preparada para tudo”.
    ERRADO!
    Nenhum primeiro ano, por mais exigente que tenha sido, inclusive para mães de gémeos e trigémeos, nos prepara para o próximo nível: o nível da independência. Nenhuma primeira vez é tão emocionante como a primeira vez em que o nosso bebé se levanta e começa a caminhar. A destreza e a segurança com que o faz provoca-nos um turbilhão de emoções que incluem pânico, orgulho, alegria e incredulidade. E quando finalmente conseguimos voltar a respirar e a controlar as pulsações, fica a evidência de que o nosso bebé, aquela coisinha frágil e indefesa que não fazia nada sem nós, já é um ser independente que vai para onde lhe apetece, brinca com o que alcançar, foge, corre e conquista uma fascinante liberdade, espelhada nos seus olhos bem abertos e num sorriso triunfal.
    Resta-nos então perceber o que significa andar literalmente com o coração nas mãos, enquanto perseguimos cada um dos seus passos pedindo a todos os deuses que ele não caia, que ele não bata com a cabeça, que ele se lembre de por as mãos à frente quando inevitavelmente se espalhar ao comprido.
    Sei que nunca mais vou conseguir recolocar o meu coração na respectiva caixa torácica. Porque hoje o meu bebé anda mas amanhã há-de querer correr, saltar num trampolim ou andar de bicicleta. Ou de patins ou de mota ou de carro ou de barco ou de boleia com amigos que eu não conheço. Sei que nunca mais vou descansar porque o meu bebé agora é do mundo e vai explorá-lo à sua maneira, sem ouvir os meus conselhos.  E sei que a partir de agora vou ouvir a voz da minha mãe na minha cabeça, aquela voz que me irritava quando era pequenina porque me considerava tão crescida: cuidado, não vás por aí, atenção ao degrau, não corras, olha que cais, ainda partes a cabeça, pára sossegada, eu bem te avisei, dá cá a mão.


  • Para quem me quiser acompanhar nas redes sociais, criei uma página oficial onde vou colocando tudo o que tiver a ver com os meus livros (presentes e futuros). A página dos 30 vai continuar a funcionar, mas  as grandes novidades passarão por esta nova.
    Espero que gostem. Literalmente.


  •      É raro ficar presa a um poema. Presa no sentido de não o querer largar; de ler e reler só para confirmar que cada palavra está no lugar certo e contém tantas outras palavras dentro. Ler e reler só por prazer, como quem admira o mesmo quadro ou ouve a mesma música vezes sem conta. Acontece-me com "monstros" como O'Neill, Eugénio de Andrade, Pessoa, Cesário ou Chico Buarque. E aconteceu-me recentemente com um poema de um amigo escritor, Pedro Guilherme-Moreira, vencedor do concurso Textos de Amor do Museu Nacional da Imprensa. Podem ler outras coisas igualmente belas no seu blog.

    Plátano

    que nem o teu desespero
    nas tardes frias de chuva
    nem essas mãos a tremer
    sobre as cartas que escrevi
    nem os plátanos
    que te deixam no outono
    nem a vigília do inferno
    nem a indolência do céu
    nem a dor da madrugada
    nem dúvidas
    sobre o que nasce
    certezas
    sobre o que morre
    nem memórias, por mais doces,
    nem absolutamente nada

    meu amor te dê a dúvida
    de que te pertenço e fico
    para lá do fim da noite
    e que até no tempo infindo

    só os teus lábios me abrandam
    só os teus beijos me calam

    PG-M 2012