• Na passada sexta-feira os deputados da nossa Assembleia mostraram, mais uma vez, que um país nunca avançará enquanto a política prevalecer sobre a humanidade. Depois de um importante passo rumo não só à igualdade entre cidadãos, mas sobretudo à defesa das crianças que crescem sem pais, deram trezentos passos atrás, propondo um referendo acerca de uma lei que já tinha sido aprovada, a lei da co-adopção.

    Sei que somos um país tipicamente conservador. Por muito que as leis mudem, a família tradicional para a maioria das pessoas, embora cada vez mais rara, continua a ser um pai e uma mãe, de preferência casados e, melhor ainda, casados pela Igreja. Também sei que, para muitos, a homossexualidade é uma moda, uma mania, uma doença, tudo menos aquilo que é: uma orientação sexual tão válida como a heterossexualidade. E ainda sei que somos um país de carneiros, de pessoas que acreditam em tudo o que vêm na televisão, sem reflectir, sem investigar por conta própria, e depois proferem afirmações boçais do tipo "as crianças ficam traumatizadas por terem dois pais ou duas mães". (Para essas, fica este vídeo)

    Ainda assim, considero a lei da co-adopção curta. Curta mas um primeiro passo rumo à defesa dos interesses de milhares de crianças. Permite que o companheiro de alguém que um dia teve uma relação heterossexual da qual nasceu uma criança, pudesse co-adoptar essa mesma criança. No fundo, formalizar perante a lei uma relação existente. Para uns por princípio, para outros por necessidade, como no caso de o progenitor morrer e a criança, que sempre viveu com aquele casal, ser retirada à outra pessoa que a criou por não ter laços de sangue. Não é o mesmo que autorizar a adopção plena, isso sim um feito grandioso, mas já é alguma coisa.

    Num país onde há 8142 crianças a viver em instituições, sem saberem o que é ser amadas por alguém, sem saberem o que é um colo, um adulto que lhes dê toda atenção, fico chocada que se proponha gastar dinheiro a referendar uma coisa que deveria ser indiscutível: todas as crianças têm o direito a crescer numa família. São 8142 crianças, 95% do total de crianças separadas dos seus pais biológicos, que crescem no limbo de instituições, sem serem adoptadas e, no caso em que a adopção não se justifica porque há esperança de se poderem um dia reunir à família biológica, sem sequer serem colocadas em famílias de acolhimento.

    Mas os nossos políticos não querem saber das crianças, nem destas famílias. Não querem saber da sua necessidade de atenção individualizada, dos laços afectivos que as prendem a determinadas pessoas, mesmo que não sejam de sangue. Será melhor uma criança crescer desamparada numa instituição do que com amor, só porque esse amor vem de alguém cujas preferências sexuais não são a norma? (E o que é a norma?) Crianças que, aos dezoito anos são deixadas a si próprias, porque já não podem estar nessas mesmas instituições, tornando-se muitas vezes adultos com vidas precárias. Ou acham que de uma instituição vão para a Universidade? E a que propósito se referenda este tipo de questões, quando há tantas outras muito mais relevantes para o país, que deviam ser discutidas?

    Não acredito que o referendo vá para a frente. Penso que foi um episódio estúpido que só serviu para desacreditar ainda mais a classe política e lançar o pânico entre todas as famílias afectadas directamente por esta lei. No entanto, e no ano em que se celebram os 25 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança, que não é apenas uma declaração de princípios, mas sim um documento com vínculo jurídico, espero que tenha servido para que todos se (re)lembrem de que as crianças precisam de estabilidade e amor. Venham de onde vierem.



  • Numa das crónicas anteriores, terminei o texto a dizer que uma mãe cansada prefere sempre dormir a uma noite de sexo escaldante. Isto não só provocou um frenesim de mensagens a questionar a qualidade da vida sexual de todos os casais que têm filhos, como ainda pôs em questão a minha própria vida conjugal.

    Calma. Não entrem já em pânico, por favor, e não me liguem a perguntar se precisamos de terapia conjugal. Não é verdade que as mulheres percam o desejo sexual depois de serem mães, nem é verdade que se sintam menos sexy e atractivas. Passando aqueles primeiros meses pós-parto, em que o desequilíbrio hormonal se alia à flacidez pélvica e aos quilos extra que nunca mais se vão embora, o desejo regressa com tanta ou mais força do que antes. Só que, com filhos, surge a questão da disponibilidade.

    No fundo, é como ter uma tia a dormir lá em casa ou passar um fim-de-semana com amigos com quem ainda não temos total à vontade. Ninguém se vai pôr a andar nu pela casa e a fazer o amor onde quer que lhe apeteça, pois não? Então, com filhos é a mesma coisa, mas para sempre! Quer o casal seja mais virado para sexo matinal, quer seja mais virado para sexo nocturno, há sempre um (ou mais!) pequeno ser lá em casa. E se, no início, a falta de disponibilidade se prende com o cansaço das noites mal dormidas, depois passamos a ter o factor "criança que já consegue sair da cama sozinha e entrar pelo quarto dos pais adentro". A possibilidade de infligir esse tipo de trauma a uma criança e ser tema de conversa no recreio da escola (ou pior, no gabinete do director da escola), também não é algo que eleve a libido de uma mãe.

    Mas há muitas outras coisas que afectam gravemente a disponibilidade sexual e que são, basicamente, todas as novas tarefas que vêm com a criançada:

    - preparação de refeições nutritivas (não dá para jantar cereais e congelados todos os dias...);
    - aumento da lide doméstica em geral (roupa, mais roupa, mais lençóis e resguardos, mais babetes encardidos, mais banana colada ao chão, mais pastilha elástica presa no cabelo, mais uma nódoa de chocolate no sofá...);
    - idas e vindas dos colégios, escolas e actividades extracurriculares;
    - ajuda nos trabalhos de casa, no projecto de ciências, no trabalho de arte plástica que a professora pediu aos pais para fazerem...
    - tempo para efectivamente brincar com as crianças, porque foi para isso que as tivemos, não?

    Por isso, se achavam que antes de ter filhos tinham uma vida muito ocupada, entre o trabalho, o ginásio e a vida social, deixem-me só rir um bocadinho.
    Agora a sério: lamento ser eu a portadora de tais notícias, mas para todos os que ainda não são pais é bom que estejam conscientes que o sexo deixa mesmo de ser uma prioridade. Não por falta de desejo, não por monotonia, apenas e só porque, quando os miúdos estão finalmente na cama, os pais mal têm energia para lavar os dentes. A solução é uma enorme dose de criatividade para encontrar sítios e horários à prova de criança. Aqui ficam algumas sugestões:

    - aproveitar o período das sestas
    - pedir à baby-sitter para levá-los num loooongo passeio
    - pôr o despertador para 20 minutos mais cedo
    - um duche rápido, enquanto eles vêm um filme na sala
    - deixá-los ir brincar para a rua
    - aproveitar que as visitas estão lá em casa e ir "buscar umas cadeiras à arrecadação"
    - fugir para uma divisão recôndita durante um almoço de família
    - passar por um motel à hora de almoço.

    É uma lista em constante construção, por isso, não se deixem limitar por ela e lembrem-se que, embora deixe de ser uma prioridade para as mães, o sexo nunca deixa de ser uma prioridade para os pais. E é, sem dúvida, uma das coisas mais importantes para uma relação feliz.




  • Não era desta forma que queria começar o ano do blog. Tinha imaginado um post cheio de algodão doce e palavras divertidas. Mas a vida é assim mesmo: termina quando menos esperamos, mesmo para aqueles que tomamos por imortais.

    Só que no caso de Eusébio, a notícia é mais difícil de interiorizar, uma vez que, ainda em vida, ele já era imortal. É como alguém dizer que Deus deixou de existir. Como assim? É impossível. Os deuses não morrem, que disparate! E por isso não consigo verter qualquer lágrima. Por isso e porque o seu nome apenas me desperta sorrisos. Pelas imagens de glória que me vêm à memória e pela lembrança do seu rosto, sempre sorridente, dentro e fora do campo.

    Não sou da geração que teve o privilégio de vê-lo jogar, num tempo em que o futebol era apenas futebol, mas sou da geração que já nasceu com o seu nome tatuado na alma. Eusébio é Portugal, o rei plebeu da dinastia dos heróis. E como qualquer outro rei, não há como contornar a sua existência, passem os séculos que passarem.

    Não sou da geração que teve o privilégio de se encantar com o seu jogo a cada domingo, mas ainda o vi jogar durante 37 minutos e fazer um golo, num jogo em sua homenagem a 1 de Dezembro de 1992. Foi a comemoração do seu 50º aniversário e a condecoração com a medalha de bronze da Ordem do Infante D. Henrique pelo Presidente da República. Foi, aliás, a primeira vez que entrei no Estádio da Luz, pela mão do meu avô, e o dia em que fiquei irremediavelmente apaixonada pelo Benfica.

    Não sou dos que tiveram o privilégio de privar com Eusébio, de ouvir as suas histórias e tirar fotografias a seu lado, mas consegui dizer-lhe o que sentia na única vez em que estive ao seu lado. Eu, que não sou nada destas coisas e acho sempre que as figuras públicas, quando estão nos seus momentos privados, não querem ser incomodadas.

    Foi numa noite de Verão há dois ou três anos num restaurante em Sesimbra. Eu estava à espera de mesa junto à vitrina do peixe fresco e Eusébio veio escolher o seu jantar. Já o tinha visto sentado no fundo da esplanada, discreto como sempre foi, e dito a mim própria que gostava de ser mais extrovertida e ter coragem para ir cumprimentá-lo. O destino quis que Eusébio se levantasse e viesse até mim, como que me oferecendo a derradeira oportunidade de cumprir o meu desejo. Os meus joelhos começaram a tremer, a minha garganta secou e trezentas mil borboletas esvoaçaram na barriga. Enquanto Eusébio falava com o empregado, eu pedia ao meu cérebro para dominar o sistema nervoso e deixar-me falar. E assim foi. Antes que o Pantera Negra se voltasse a sentar, toquei-lhe no ombro e disse algo do género: «Senhor Eusébio, desculpe incomodá-lo, mas só queria dar-lhe um beijinho e agradecer-lhe por tudo o que fez pelo nosso Benfica e por Portugal. É um orgulho cumprimentá-lo». O Rei sorriu, agradeceu humildemente e voltou para a sua mesa, para a sua existência divina. Eu fiquei sem conseguir falar por mais dez minutos e só voltei à minha cor normal ao fim de vinte, o que é perfeitamente aceitável para quem acaba de falar com uma lenda.

    Hoje, ao ver as imagens da sua despedida, orgulho-me de ter conseguido dirigir-lhe tais palavras, ainda que não tenham sido as mais inspiradas. Porque é muito mais importante homenagear as pessoas em vida do que escrever coisas bonitas depois da sua morte. E até nisso Eusébio foi especial. Recebeu homenagens e estátuas e medalhas enquanto as pode apreciar. Soube que era querido, não só pela família e amigos, não só pelos benfiquistas, não só pelos portugueses, mas por várias gerações de pessoas de todo o mundo. Agora, de regresso ao Olimpo onde pertence, de certeza que vai a sorrir, com o coração cheio de boas memórias.

    Boa viagem.